Sexo e Cultura
A correlação entre a moralidade sexual e o florescimento ou o declínio cultural das sociedades
Joseph Daniel Unwin (1895–1936), etnólogo e antropólogo social inglês que foi membro integrante das Universidades de Oxford e Cambridge, escreveu a obra intitulada “Sex and Culture” (Sexo e Cultura), que foi baseada no estudo da ascensão e queda de 80 culturas nativas e 6 civilizações históricas, com a correlação entre liberdade sexual e entropia social, que o levou a concluir que grande parte do afrouxamento das convenções sexuais e à diminuição dos relacionamentos monogâmicos culminaram em suas respectivas decadências culturais.
Sua pesquisa revelou que a imposição de um controle obrigatório sobre os impulsos sexuais, ou seja, a limitação da oportunidade sexual (convenções sexuais mais rígidas), produz pensamento, reflexão e energia nos indivíduos de uma sociedade, tornando-a funcional. A castidade pré-nupcial aliada a monogamia produz energia social; quanto a castidade, os dados revelaram que esse único fator possui uma correlação direta e importantíssima com o florescimento de uma cultura.
“No que diz respeito à produção de energia social, a oportunidade sexual da mulher é mais importante do que a do homem.” (UNWIN, 1934)
Quando ocorre o oposto e os membros da sociedade tornam-se possuidores de uma liberdade sexual absoluta, sua cultura primeiramente permanece inerte, e posteriormente ruma ao colapso progressivo, pois as pessoas tenderão a concentrarem-se apenas em seus próprios desejos (egocentrismo), abstendo-se de contribuir de maneira útil à sociedade. Portanto, a liberdade sexual não se trata de progresso civilizacional, mas de seu regresso.
Para J. D. Unwin, cada geração é composta por um período de trinta e três anos, sendo necessárias pelo menos três gerações para que uma extensão ou limitação da oportunidade sexual tenha seu pleno efeito na cultura de uma sociedade.
Os Padrões Culturais
Constatou-se que as sociedades civilizadas que mantiveram a limitação sexual (monogamia) por três gerações foram claramente superiores as demais em diversas áreas como literatura, arte, ciência, arquitetura, engenharia e agricultura. Há apenas “três instâncias indiscutíveis” que atingiram o nível mais elevado de comportamento por manterem a oportunidade sexual baixa pelo período intergeracional supracitado, a saber: os atenienses, os romanos e os ingleses.
A condição cultural de uma sociedade aumenta na exata proporção em que ela impõe restrições pré-nupciais e pós-nupciais à oportunidade sexual. Unwin define “oportunidade sexual” como sendo a “oportunidade que é concedida a um homem ou uma mulher para satisfazer um desejo sexual. Às vezes, os regulamentos sexuais impedem tal satisfação; o impulso deve ser controlado ou o ofensor será punido. A oportunidade sexual foi então limitada”.
As sociedades, de acordo com seu comportamento, podem ser confiavelmente classificadas de forma gradativa, e existem quatro “grandes padrões de cultura humana”, que gradualmente são:
1ª) Zoísta: trata-se de uma sociedade com o menor nível de energia, uma “cultura morta” ou “inerte”, que não possui o interesse em entender a natureza das coisas e não ergue templos ou presta qualquer tipo de funeral aos mortos, além de permitir a liberdade sexual pré-nupcial;
2ª) Manística: sociedade supersticiosa e marcada pelo tratamento especial dado aos mortos, a adotar algumas regulamentações como a imposição de uma continência irregular ou ocasional;
3ª) Deísta: sociedade que atribui os poderes da natureza a um deus ou a deuses e que realizam seus ritos em templos por intermédio de sacerdotes, insistindo na castidade pré-nupcial, sendo possível uma sociedade zoísta se tornar deísta sem ser manística;
4ª) Racionalista: sociedade que utiliza o pensamento racional para entender a natureza para que possam anuir as melhores decisões diárias, sendo que as sociedades que ofereceram a mais limitada oportunidade pós-nupcial alcançaram a mais alta cultura; todas as sociedades racionalistas foram deístas nos anos imediatamente anteriores à mudança de sua condição cultural, e emergiram após permanecerem na condição deísta por tempo suficiente para apreciar “uma nova concepção do poder no universo, baseada sobre o ainda desconhecido”, que é o resultado de uma ampliação do escopo de compreensão do natural.
Poucas civilizações estiveram na condição cultural racionalista, considerada civilizada e que exibi a maior quantidade de energia mental e social, sendo que nenhuma delas manteve sua posição elevada na escala cultural após costumes menos rigorosos serem herdados por seus membros. Por sociedades “civilizadas” Unwin se refere aos seguintes dezesseis povos históricos: sumérios , babilônios , egípcios , assírios , helenos , persas , hindus , chineses , japoneses , sassânidas , árabes ( mouros ), romanos , teutões e anglo-saxões.
Todas demais culturas são consideradas não-civilizadas e possuem os seguintes padrões concernentes à moralidade sexual: a sociedade zoísta exibe a menor quantidade de energia mental e social ao não impor a continência pré-nupcial; a sociedade manística impõe continência irregular ou ocasional; e todas as sociedades deístas insistem em manter a castidade pré-nupcial.
As Sete Classes de Regulações Sexuais
Os graus de restrição sexual foram divididos por Unwin em duas categorias principais, pré-nupcial e pós-nupcial. São três as categorias pré-nupciais. Ei-las:
1ª) Completa liberdade sexual: homens e mulheres podem ser sexualmente livres e não há qualquer restrição pré-nupcial;
2ª) Restrição irregular ou ocasional: eles podem estarem sujeitos a regulamentos culturais exigem um período ocasional de abstinência (contingência irregular ou ocasional);
3ª) Castidade estrita: as mulheres devem permanecer virgens até o casamento, sob pena de punição ou mesmo de morte.
Quanto as categorias pós-nupciais, Unwin dividiu-as em quatro. São elas:
1ª) Monogamia modificada: a prática ou circunstância de possuir um cônjuge de cada vez, entretanto, a associação pode ser rescindida por qualquer uma das partes de acordo com a lei ou costume vigente;
2ª) Poligamia modificada: a prática ou circunstância dos homens poderem ter mais de uma esposa, porém sua esposa é livre para deixá-los de acordo com a lei ou costume vigente;
3ª) Monogamia absoluta: a prática ou circunstância em que apenas um cônjuge é permitido durante toda a vida (ou até a morte, conforme algumas culturas), mas pressupondo condições em que legalmente a esposa está sob o domínio de seu marido e deve limitar suas qualidades sexuais a ele, sob pena de punição, por toda a sua vida;
4ª) Poligamia absoluta: a prática ou circunstância dos homens poderem ter mais de uma esposa, porém as esposas devem “limitar suas qualidades sexuais (ou seja, atividade) ao marido por toda a vida”.
A Importância da Limitação Sexual
Uma constatação evidentíssima é que as três culturas mais longevas e desenvolvidas da história da humanidade possuíam a união entre duas pessoas em um casamento monogâmico como gerador de suas grandes estabilidades sociais. Os homens integrantes dessas sociedades, que eram absolutamente monogâmicos e exibiam uma grande energia expansiva, tendo o casamento em duas dessas sociedades civilizadas (romana e britânica) forte influência do cristianismo, que o elevou a uma condição de dignidade humana jamais vista.
"Ninguém contestará que no Império Romano do Ocidente os cristãos elevaram a instituição do casamento a uma dignidade que não conhecia desde o desaparecimento da 'confarreatio’. […] Em todas as sociedades cristãs, essas relações foram governadas não tanto pelo ensino do galileu quanto pelo de Paulo de Tarso. Paulo passou seus primeiros anos em um ambiente romano-judaico; a ideia que ela absorveu do contato com o elemento romano dominante em sua cidade natal foi confirmada pelo que ele aprendeu com Gamaliel. Em cada caso, as idéias eram de monogamia absoluta; e à sua maneira algumas implicações de monogamia absoluta foram petrificadas em um ideal cristão. É certo que algumas seitas cristãs as recomendações paulinas, embora aplaudidas em teoria, foram desconsideradas na prática; mas por outras seitas eles foram firmemente aplicados a todos os detalhes da vida familiar. […] Como todas as sociedades que adotaram qualquer forma de monogamia absoluta, as idéias dos cristãos protestantes e não-conformistas mudaram com o passar do tempo; mas aqueles dos cristãos católicos (que não devem ser confundidos com uma de suas principais divisões, os cristãos católicos romanos) foram permanentes. Estas idéias permanentes tendo sido postas em prática, uma cultura permanente e imutável foi criada, de caráter deísta, com um sabor manístico.” (UNWIN, 1934)
As Alternativas Existentes
As sociedades possuem duas alternativas, e são elas:
1ª) Exibir grande energia;
2ª) Desfrutar de liberdade sexual.
As energias mental e social podem se manifestar sob determinadas condições, porém, reduzir ao mínimo a oportunidade sexual é fundamental para que se produza tais condições para que ocorra o florescimento cultural, e seu oposto, isto é, o aumento da liberdade sexual, resulta no colapso cultural (entropia social) após o transcurso de três gerações (100 anos).
“Qualquer sociedade humana é livre para escolher, seja para exibir grande energia ou desfrutar da liberdade sexual; a evidência é que não pode fazer as duas coisas por mais de uma geração.” (UNWIN, 1934)
Focar-se nas duas alternativas simultaneamente não é possível, mas se determinada sociedade escolher pela liberdade sexual absoluta em detrimento da castidade, haverá consequentemente o abandono da crença na ação divina (de Deus) na criação do mundo, do pensamento racional e da monogamia absoluta. O que Unwin previu, estamos atualmente a constatar de maneira empírica, e a sociedade racionalista moderna, que abandonou as restrições sexuais, regrediu à superstição e à irracionalidade, iniciando a adoração da natureza e com as mulheres perdendo a sua identidade.
“Nos registros da história, de fato, não há exemplo de uma sociedade exibindo grande energia por qualquer período apreciável, a menos que tenha sido absolutamente monogâmica . Além disso, não conheço nenhum caso em que uma sociedade absolutamente monogâmica não tenha demonstrado grande energia. No passado, diferentes sociedades surgiram em diferentes partes da terra, floresceram muito e depois declinaram. Em todos os casos, a sociedade começou sua carreira histórica em um estado de monogamia absoluta, manifestou grande energia enquanto preservava seus regulamentos austeros e relaxou depois que uma tradição menos rigorosa foi herdada por uma geração completamente nova.” (UNWIN, 1934)
Podemos avaliar uma sociedade analisando a maneira de como ela trata as mulheres; o comportamento sexual feminino anterior ao casamento constitui fator decisivo para o sucesso cultural, pois a oportunidade sexual das mulheres constitui um fator mais importante do que a oportunidade sexual dos homens. Como homens são motivados principalmente pelo sexo, se conseguirem tê-lo sem precisarem se casar, contribuirão menos para a sociedade. A castidade pré-nupcial aliada à monogamia absoluta é o fator que mais energiza uma cultura.
O Colapso da Cultura Ocidental
Em seu estudo Unwin demonstra que a libertadade sexual “não pode ter seu pleno efeito cultural por cem anos”, e que fatalmente resultará na conquista dessa sociedade por outra que possuir maior energia social. Uma geração pode sobreviver da energia produzida pela monogamia da geração anterior, porém não conseguirá retransmiti-lá à terceira geração.
“A história dessas sociedades consiste em uma série de repetições monótonas; e é difícil decidir qual aspecto é mais importante: a lamentável falta de originalidade de pensamento demonstrada em cada caso pelos reformistas, ou a espantosa rapidez com que, após um estrito período de continência (restrição sexual), o organismo humano serve-se de a primeira oportunidade que ele tem de satisfazer seus desejos inatos, de forma direta ou pervertida. Às vezes, homens dizem que gostariam de aproveitar os benefícios de uma cultura próspera e, ao mesmo tempo, abolir as restrições sexuais. No entanto, a natureza inerente ao ser humano parece sugerir que esses desejos são incompatíveis, até mesmo contraditórios. Os reformadores poderiam ser comparados àquela criança tola que quer manter seu bolo e comê-lo ao mesmo tempo. Toda sociedade humana é livre para escolher se quer ter muita energia ou desfrutar de sua liberdade sexual; o que é evidente é que não pode desfrutar de ambos por mais de uma geração.” (UNWIN, 1934)
Tendo a Revolução Sexual a década de 1960 como marco geracional inicial, que consequentemente causou a alteração da monogamia absoluta pela monogamia modificada — a decadência do deísmo e o declínio do pensamento racional —, o colapso cultural ocidental, segundo prognóstico baseado no trabalho de J. D. Unwin, é previsto para que ocorra em 2060.
“Algumas vezes um homem foi ouvido declarar que deseja desfrutar das vantagens da alta cultura e abolir a continência compulsória [...]. O reformador pode ser comparado ao menino tolo que deseja manter seu bolo e consumi-lo.” (J. D. Unwin, "Sex and Culture")
Fonte:
UNWIN, J. D. Sex and Culture. Londres: Oxford University Press, 1934. 676 p.